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domingo, 1 de abril de 2012

FIASCO NA PROVA DA OAB 2012 FGV


PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONALNo dia 10 de março de 2011, após ingerir um litro de vinho na sede de sua fazenda, José Alves pegou seu automóvel e passou a conduzi-lo ao longo da estrada que tangencia sua propriedade rural. Após percorrer cerca de dois quilômetros na estrada absolutamente deserta, José Alves foi surpreendido por uma equipe da Polícia Militar que lá estava a fim de procurar um indivíduo foragido do presídio da localidade. Abordado pelos policiais, José Alves saiu de seu veículo trôpego e exalando forte odor de álcool, oportunidade em que, de maneira incisiva, os policiais lhe compeliram a realizar um teste de alcoolemia em aparelho de ar alveolar. Realizado o teste, foi constatado que José Alves tinha concentração de álcool de um miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões, razão pela qual os policiais o conduziram à Unidade de Polícia Judiciária, onde foi lavrado Auto de Prisão em Flagrante pela prática do crime previsto no artigo 306 da Lei 9.503/1997, c/c artigo 2º, inciso II, do Decreto 6.488/2008, sendo-lhe negado no referido Auto de Prisão em Flagrante o direito de entrevistar-se com seus advogados ou com seus familiares.Dois dias após a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, em razão de José Alves ter permanecido encarcerado na Delegacia de Polícia, você é procurado pela família do preso, sob protestos de que não conseguiam vê-lo e de que o delegado não comunicara o fato ao juízo competente, tampouco à Defensoria Pública.Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso concreto acima, na qualidade de advogado de José Alves, redija a peça cabível, exclusiva de advogado, no que tange à liberdade de seu cliente, questionando, em juízo, eventuais ilegalidades praticadas pela Autoridade Policial, alegando para tanto toda a matéria de direito pertinente ao caso.(Valor: 5,0)
A peça prático-profissional do VI exame unificado da OAB, a meu ver, foi um verdadeiro fiasco. Justifico:Da análise da questão, percebe-se, in locu, que o mais prudente seria o manuseio do habeas corpus, em razão das diversas ilegalidades no auto de prisão em flagrante, tais como: a violação ao direito de não produzir provas contra si mesmo (Nemo tenetur se detegere); a não comunicação ao Ministério Público (Lei 12.403/2011); a não comunicação à Defensoria Pública, ao Juiz e à família do preso (artigo 306, caput e parágrafo único CPP).
Acontece que a banca exigiu peça cabível “exclusiva de Advogado”, no que tange à liberdade. Ora, como é cediço, o habeas corpus é uma ação constitucional e que pode ser utilizado por qualquer pessoa, inclusive pelo Ministério Público. Assim, resta prejudicado, no caso concreto, o manuseio do habeas corpus, haja vista não ser peça exclusiva de Advogado.
Só restaria, então, o pedido de relaxamento da prisão em flagrante.
Contudo, esquece o examinador que, segundo a questão, a prisão sequer fora comunicada ao Juiz, portanto, pergunta-se: como requer relaxamento da prisão em flagrante sem a devida comunicação? Será, então, que o Advogado apresentaria uma simples petição ao Juiz e este deveria acreditar tão somente nas alegações do Advogado? Caso não acreditasse, deveria pedir informações? Em tal procedimento há possibilidade de pedido de informações? Certamente que não.
Mas não é só: qual juiz deveria ser comunicado? Seria o Plantonista? Seria o Juiz Criminal da Vara de Trânsito? E, por acaso, existiria essa Vara especializada na comarca?A meu ver, com o devido respeito, uma prova muito mal elaborada.E mais: esquece, ainda, o examinador, que o Código de Processo Penal foi alterado pela Lei 12.403/2011.Vejamos, portanto, a nova sistemática:
Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I – relaxar a prisão ilegal; ou II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Ora, o relaxamento da prisão ilegal deve ser feito de ofício pelo Juiz e, caso entenda que a prisão esteja legal, deverá homologá-la e decretar a prisão preventiva. Assim, como é cediço, prisão preventiva se revoga e não se relaxa.Decerto a Constituição Federal afirma que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária competente” (e essa é uma verdade que não se pode olvidar). Portanto, como se nota, a Constituição não restringe tal possibilidade somente ao pedido de relaxamento de prisão. Contudo, segundo a praxe forense, repise-se, prisão preventiva se REVOGA e não se relaxa.Arisca-se dizer, sem receio de equívoco, que acabou qualquer possibilidade de pedido de relaxamento de prisão em flagrante. Salvo se, antes mesmo do juízo de legalidade da prisão pelo Juiz, o Advogado atravessar um pedido de relaxamento da prisão ilegal (como efetivamente acontece em muitos casos). Ainda assim, deveria existir, no mínimo, distribuição dos autos à uma das Varas Criminais, o que não se nota no referido exame da ordem.Feitas essas considerações, a Associação dos Advogados Criminalistas do Estado do Amazonas presta solidariedade aos candidatos prejudicados com a prova, e se põe à disposição para qualquer orientação. Guilherme Torres FerreiraAdvogado e Conselheiro da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado do Amazonas