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domingo, 6 de junho de 2010

VITÓRIA NO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO


Em excelente voto, o Eminente Desembargador Federal Fernando Tourinho Neto, concedeu habeas corpus ao nosso cliente que sofria constrangimento ilegal, posto que fora decretada sua prisão preventiva de forma genérica, o que, decerto, não é mais admitido em nossos Tribunais, vejamos, na íntegra, a decisão do brilhante Desembargador:

R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL RICARDO FELIPE RODRIGUES MACIEIRA (RELATOR CONV.):
1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado por CÂNDIDO HONÓRIO SOARES FERREIRA e GUILHERME TORRES FERREIRA (advogados inscritos na OAB/AM, respectivamente sob ns. 5.199 e 5.692) em favor de RUBENS CUSTÓDIO JÚNIOR, contra ato atribuído à MMª Juíza Federal Substituta Ana Paula Serizawa Silva Podedworny, plantonista da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas, que converteu a prisão em flagrante do paciente em preventiva, e indeferiu o pedido de liberdade provisória por ele apresentado (fls. 117/118).
Informam os impetrantes que o paciente (Rubens Custódio Júnior), a quem foi atribuída a prática do crime de estelionato, foi preso no dia 23 de janeiro de 2009, em sua residência. Alegam que a prisão fere visivelmente o ordenamento jurídico brasileiro, visto que o procedimento adotado pela autoridade policial e confirmado pelo juízo de 1º grau se encontra em total desacordo com a legislação vigente, pois:
O CONDUTOR do Flagrante, em seu depoimento, afirma que: É policial civil há 22 anos, prestando serviço no 19º Distrito Policial no Estado do Amazonas; QUE hoje, por volta das 16 horas, recebeu um telefonema da funcionária da Caixa Econômica Federal - Agência Boulevard, de nome NILCE, noticiando que um homem de nome RUBENS CUSTÓDIO JÚNIOR obteve êxito em sacar dois cheques, que totalizaram R$ 11.600,00 (onze mil e seiscentos reais), com assinatura falsa da cliente MARIA RUBENIZE BRITO NASCIMENTO... Que então o declarante levantou nos bancos de dados a identidade e endereço de RUBENS, repassando tais dados a NILCE e orientando-a a comparecer no 19º DP; QUE após alguns instantes NILCE entrou novamente em contato, informando que o indivíduo de nome RUBENS que havia sacado o dinheiro estaria na Rua Alexandre Amorim, no Bairro Aparecida, e, que inclusive estava trajando a mesma roupa com a qual havia comparecido à agência da CAIXA; QUE então o ora condutor se dirigiu até o local e juntamente com a funcionária da Caixa Econômica Federal - CEF de nome SANDRA. onde já se encontravam também os funcionários da CEF NILCE e PINA, obtendo êxito em localizar RUBENS CUSTÓDIO JÚNIOR após a devida indicação dos citados funcionários, momento em que lhe deu voz de prisão e o encaminhou até o 1º Distrito Policial, que é a unidade responsável pelo atendimento às ocorrências daquela região...” (...)
Afirmam que o paciente não pode ter sua prisão preventiva decretada simplesmente com base em ilações, com o objetivo de assegurar a aplicação da lei penal, sobretudo quando não pretende fugir, tanto que foi preso em sua casa e sem oferecer qualquer resistência. Além disso, é trabalhador e o fato praticado por ele seria atípico.
3. Foram prestadas informações (fls. 132/135).
4. Nesta instância, o Ministério Público Federal - pelo Procurador Regional da República Eugênio Pacelli de Oliveira - opina pela concessão da ordem, em razão da ausência de fundamentos para decretação da prisão preventiva (fls. 137/144).
5. É o relatório.

V O T O
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL RICARDO FELIPE RODRIGUES MACIEIRA (RELATOR CONV.):
1. O eminente Juiz Tourinho Neto, ao apreciar o pedido de liminar, assim decidiu (fls. 121/124):
Sustentou a eminente Juíza Ana Paula Serizawa Silva Podedworny que (fls. 117/118):
Quanto a RUBENS CUSTÓDIO JUNIOR, o pedido de liberdade provisória deve ser negado, pois embora o requerente tenha apresentado endereço no distrito da culpa e ocupação lícita, consta ter sido condenado por tráfico internacional de entorpecentes. Embora a condenação não tenha transitado em julgado, configura mau antecedente.
Ao requerente foi garantido o direito de apelar em liberdade, tendo o mesmo voltado a se envolver em atividade criminosa. Não se pode deferir a liberdade provisória quando presentes os requisitos para a decretação da preventiva.
No caso, há prova da materialidade e indícios veermentes de autoria do crime de estelionato imputado ao requerente.
Constato que, no presente caso concreto, a manutenção da prisão do requerente constitui medida útil e necessária a garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal, visto que o encarceramento cautelar do requerente inviabilizará a continuidade da prática criminosa e garantirá a aplicação da lei penal.
Pelo exposto, converto a prisão em flagrante de RUBENS CUSTÓDIO JUNIOR em prisão preventiva e indefiro o pedido de liberdade provisória.
Decretou, portanto, S. Exª a prisão preventiva do paciente para garantir a ordem pública e para o asseguramento da lei penal.
Data venia da eminente magistrada, penso que o paciente faz jus à liberdade provisória. Não vejo como a soltura do paciente possa implicar risco à ordem pública. É certo que já tinha sido condenado por tráfico de drogas, mas a condenação ainda não transitou em julgado, e, assim, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, não se considera que tenha maus antecedentes.
A prisão em flagrante só deve ser mantida se demonstrada, de forma concreta, a real necessidade da custódia, com fundamento em algum dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Não mais existe, como antigamente, a prisão por força de lei. Quando a pena cominada ao crime fosse de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a 10 (dez) anos, o Juiz era obrigado a decretar a prisão preventiva. Foi a Lei 5.349 de 1967, do tempo da ditadura militar (que ironia!) que excluiu do Código de Processo Penal a prisão preventiva obrigatória.
Em 07.10.2008 (DJ 13.11.2008), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Julgando o RE-AgR 535477/SP, relator o Ministro EROS GRAU, decidiu em acórdão assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXISTÊNCIA DE INQUÉRITO E DE AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. MAUS ANTECEDENTES. OFENSA AO ARTIGO 5º, LVII, DA CB/88.
A existência de inquérito e de ações penais em andamento contra o recorrido não basta à caracterização de mau antecedente. Agravo regimental a que se nega provimento.
O fato de o réu estar sendo processado por outros crimes, em que a sentença ainda não transitou em julgado, e respondendo a outros inquéritos policiais não é suficiente para justificar a manutenção da cautela provisória. Precedentes do Supremo, dentre outros: RHC nº 83.493-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Carlos Britto, DJ 13.2.2005; e RHC nº 84.652/RJ, Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 23.3.2007.
No HC 96.618, da relatoria do Ministro EROS GRAU, o Ministro CELSO DE MELLO proferiu, em face da ausência eventual do relator, decisão concedendo liminar em caso em que o réu respondia a processos criminais em andamento, decidindo que a liberdade lhe deveria ser concedida. Lemos em Notícias STF, de 04 de novembro de 2008:
O ministro Celso de Mello deferiu o pedido de liminar no Habeas Corpus (HC) 96618, concedendo liberdade em caráter liminar ao economista Antônio Carlos Prado – preso por estelionato desde maio de 2007. Na época da sua prisão, a imprensa noticiou amplamente que ele seria um dos estelionatários mais procurados do País: ele se passaria por representante de um banco suíço para negociar liberação de empréstimos falsos em vários estados.
Nas decisões tomadas por magistrados de instâncias judiciais inferiores, pesou o fato de Prado responder ações por outros crimes, o que tiraria sua condição de réu primário e que justificaria a prisão cautelar. Contudo, Celso de Mello lembrou que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que, a não ser que haja condenação definitiva, outros processos não podem ser argumento de maus antecedentes criminais.
Segundo o ministro, a mera sujeição de alguém a simples investigações policiais ou a persecuções criminais ainda em curso “não basta, só por si – ante a inexistência de condenação penal transitada em julgado –, para justificar o reconhecimento de que o réu não possui bons antecedentes ou, então, para legitimar a imposição de sanções mais gravosas, como a decretação de prisão cautelar”.
Ao suspender a eficácia do decreto de prisão de Prado até que o mérito da ação ser avaliado pelo tribunal, Celso de Mello disse fazê-lo em respeito ao princípio da presunção constitucional da inocência, pelo qual ninguém poderá ser considerado culpado por um crime até que seja condenado, sem possibilidade de recorrer.
Em CEZAR ROBERTO BITENCOURT (Tratado de Direito Penal. Parte geral. 8. ed., São Paulo, Saraiva, 2003, vol. I, p. 555), encontramos a lição de que:
Com efeito, sob o império de uma nova ordem constitucional, “constitucionalizando o Direito Penal”, somente podem ser valoradas como “maus antecedentes” decisões condenatórias irrecorríveis. Assim, quaisquer outras investigações preliminares, processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal, não podem ser valorados como maus.
Quanto ao asseguramento da aplicação da lei penal, a ilustre juíza a quo nada fundamenta, não diz porque ela se faz necessária, não diz porque o paciente fugirá.
Não vislumbro, assim, no caso em estudo, presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, e, assim, com base no parágrafo único do art. 310 do CPP, concedo ao paciente liberdade provisória.
2. Adiro ao entendimento do eminente Juiz Tourinho Neto, por também entender que a prisão preventiva, como modalidade de prisão processual, somente poderá perdurar pela demonstração de fundamento cautelar.
Nesse contexto, entendo que a existência de antecedentes (primeiro fundamento cautelar da decisão de 1º grau) não é suficiente, isoladamente, para justificar a prisão processual.
Por isso, a decretação ou manutenção da prisão preventiva para impedir a reiteração de conduta criminosa imprescinde da demonstração de que, em liberdade, o acusado encontrará os mesmos estímulos para a prática desta ou de outra modalidade criminosa.
Outrossim, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal (segundo fundamento cautelar) não se sustenta em alegação genérica, sem referência a fato ou indícios de sua existência, objetiva e concretamente demonstrado no âmbito da ação penal ou do inquérito policial.
Deve, pois, ser ratificada a decisão inicial, porque baseada, inclusive, no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.
3. Com tais considerações, concedo a presente ordem de habeas corpus impetrada em favor do paciente RUBENS CUSTÓDIO JÚNIOR. RATIFICO a tutela liminar deferida.
4. É o voto.

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